quinta-feira, 2 de julho de 2009

A História dos Habitantes da Caverna de Platão

"Imagine um grupo de pessoas que habitam o interior de uma caverna subterrânea. Elas estão de costas para a parede e acorrentadas no pescoço e nos pés, de sorte que tudo o que veem é a parede da caverna. Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro. Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras bruxuleantes na parede da caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna podem ver é este "teatro de sombras". E como essas pessoas estão ali desde que nasceram, elas acham que as sombras que veem são a única coisa que existe.

Imagine agora que um desses habitantes da caverna cosiga se libertar daquela prisão. Primeiramente ele se pergunta de onde vêm aquelas sombras projetadas na parede da caverna. Depois consegue se libertar dos grilhões que o prendem. O que você acha que acontece quando ele se vira para as figuras que se elevam para além da borda do muro? Primeiro, a luz é tão intensa que ele não consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos das figuras, de que ele até então só vira as sombras, ofusca a sua visão. Se ele conseguir escalar o muro e passar pelo fogo para poder sair da caverna, terá mais dificuldade ainda em enxergar devido à abundância de luz. Mas depois de esfregar os olhos, ele verá como tudo é bonito. Pela primeira vez verá cores e contornos precisos; verá animais e flores de verdade, de que as figuras na parede da caverna não passavam de imitações baratas. Suponhamos, então, que ele comece a se perguntar de onde vêm os animais e as flores. Ele vê o Sol brilhando no céu e entende que o sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede.

Agora, o feliz habitante das cavernas pode andar livremente pela natureza, desfutando da liberdade que acabara de conquistar. Mas as outras pessoas que ainda continuam lá dentro da caverna não lhe saem da cabeça. E por isso ele decide voltar. Assim que chega lá, ele tenta explicar aos outros que as sombras na parede não passam de trêmulas imitações da realidade. Mas ninguém acredita nele. As pessoas apontam para a parede da caverna e dizem que aquilo que veem é tudo o que existe. Por fim, acabam matando-o.
" - Jostein Gaarder - O Mundo de Sofia.

O experimento de Platão claramente ilustra as limitações na compreensão e na apreciação das coisas que estão fora dos limites do nosso universo. Se uma limitação é inerente por causa da estrutura física do corpo ou da maneira de pensar da mente, como podemos contornar isso? É muito difícil convencer as pessoas a pensarem sobre a realidade de um modo diferente, se elas não são capazes de percebê-la, ou se já possuem uma opinião formada. Como se explica as cores para uma pessoa que já nasceu cego, ou uma música para uma pessoa surda, ou um sentimento para uma pessoa que nunca o vivenciou?

A realidade é extremamente subjetiva e pessoal, assim como qualquer outro tipo de contato, pensamento, ou qualquer outro tipo de relação que se tenha com o mundo exterior. O que somos capazes de codificar como realidade é apenas aquilo que nosso cérebro experimentou ao longo de nossas vidas. Por isso nunca duvide quando uma pessoa lhe disser que não acredita na maldade alheia. Talvez a maldade tenha feito parte da sua realidade, mas não significa que fez parte da realidade dela. Talvez essa pessoa acredite sim na possibilidade de uma mudança na humanidade, por talvez ter visto as pessoas a volta dela mudarem com o tempo. Ou, até mesmo quem sabe, ela acredite na felicidade plena e um dia irá encontrar alguém que também acredite, e essas duas pessoas viverão essa felicidade até o dia em que descubram a tristeza. Mas o importante é que enquanto isso não fizer parte da realidade delas, isso não terá a mínima possibilidade de existir.

Geralmente quando nos deparamos com pessoas que acreditam em realidades diferentes das nossas, nós, e essas pessoas, temos a mania de julgar saber mais sobre a vida do que o outro mas, na verdade, apenas sabemos coisas diferentes a respeito das mesmas ou diferentes coisas. O que ocorre é um conflito de realidades onde, se não houver flexibilidade e disponibilidade para se verificar a real existência da realidade alheia, acaba-se por se assassinar ambas. Não diga para uma pessoa que um dia ela verá como você vê. Pois isso não ocorrerá necessáriamente, a não ser que você consiga fazê-la vivenciar o você vivenciou.

Jamais julgue uma minhoca por cavar e viver em buracos, pois ela não tem teus olhos para ver que existe muito além do chão em que vive. Assim como jamais julgue a realidade do outro que tem olhos para ver mas não tem a tua sensibilidade para ver diferente!


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