quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Conselhos de Rilke - III


"'Tudo' está em deixar amadurecer e então dar à luz. Deixar cada impressão, cada semente de um sentimento germinar por completo dentro de si, na escuridão do indizível e do inconsciente, em um ponto inalcançável para o próprio entendimento, e esperar com profunda humildade e paciência a hora do nascimento de uma nova clareza: só isso se chama viver artisticamente, tanto na compreensão quanto na criação."
Rilke
Viareggio (Itália), 23 de abril de 1903
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Não há muito que possa ser dito ou acrescentado. Rilke escreve frases de extrema simplicidade mas de reflexões intensas. Saber quando nossa semente germinou é algo que somente nós mesmos podemos saber. Não há tempo previsto nem fórmulas para se apressar a germinação. Somos todos terras mais ou menos férteis a cada estação. Mais ou menos férteis a cada temperatura e tempo.

Pode-se plantar várias sementes, mas cada uma germinará conforme for de sua própria natureza e da natureza da terra que as abrigam. Toda criação vem através de nós, mas não necessariamente de nós. Sementes são atiradas em nossos terrenos pelas mais variadas circunstâncias. O vento, os animais, as plantas ao redor, etc.

Sua arte pode vir do pensamento de um amigo, que germina na sua cabeça e ganha vida própria, vida essa que é nutrida por nós. Sobrevive as que realmente foram corretamente alimentadas e fortificadas. As que se mantiveram longe das pragas do pessimismo e da inveja, do tempero destemperado do veneno alheio.

Devemos lembrar que o exterior poderá interferir em nossa criação, mas somente nós que poderemos permitir ou não tais interferências. No final, a decisão, por mais suscetíveis que possamos ser, está unicamente em nossas mãos.

Ode à Rilke, que compreendeu como poucos que a pressa dos de sua época, hoje já lenta aos nossos olhos, não os levaram a nenhum grande entendimento - Me pergunto o que sobrará para a nossa pressa de hoje, ainda mais apressada que a de ontem.

Se a perfeição é inatingível, ainda mais o é com a pressa. Para tudo há um tempo na natureza, de acordo com a natureza de cada semente. Por que, então, não haveria de existir um tempo para cada um de nós de acordo com a natureza de cada indivíduo? Se posso deixar algumas palavras finais as deixo assim:

Nasça, cresça, amadureça, e agradeça à vida pela sua natureza, independente de seu tamanho, de sua idade, de suas conquistas. És único e por isso inigualável. Não tens a obrigação de ser mais ou igual, nem necessitas ser menos. Celebre sua arte por aquilo que ela é, indizível, por jamais ter sido dita ou  vista antes.


Dramatizar


Pago o preço pela distração.


O encantamento oriundo do ilusório, das possibilidades existentes
pelos desejos do subconsciente.



Uma festa meus caros!
Um desfile de mentiras ou verdades inconcretas.
Como é doce sonhar.

Só não esqueçam que o doce em demasia causa diabetes.

Até onde me levarei com esta inconsistência?

Nesses momentos a loucura me parece bondosa.
Cega com a doçura, desamarga o gosto das derrotas
suprimindo as faltas de nossa alma.

A loucura chama-se arte,
a arte de mentir e fingir para si e para os outros que o que se faz
tem um significado maior do que o de nos preencher um vazio.

Arte escrita,
arte expressa em tintas multicores,
arte em atuar.

Finjo que o sou,
finges que acreditas,
fingimos por nossos próprios interesses fingindo pensar que é por um bem maior.



terça-feira, 26 de outubro de 2010

Conselhos de Rilke - II


"Caso o seu cotidiano lhe pareça pobre, não reclame dele, reclame de si mesmo, diga para si mesmo que não é poeta o bastante para evocar suas riquezas; pois para o criador não há nenhuma pobreza e nenhum ambiente pobre, insignificante"


Rilke
Paris, 17 de fevereiro de 1903
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Pobre daqueles que necessitam de palavras polidas para a construção de um belo poema. Constroem poemas mas não fazem poesia. Constroem poemas, mas não fazem arte. 

Respeito sinceramente os grandes poetas que inovaram na forma, no esqueleto de suas escritas. Fugiram do banal e se destacaram pela diferença, mas, honestamente, não vejo em seus poemas mais ou maior poesia do que nos poemas de uma criança. Se você se prende somente ao diferencial, na busca de construir belas escritas, deverias saber que hoje o diferente não passa do comum. Onde estarão os verdadeiros guerreiros? - Os sinceros de coração.

Tenho certeza que não era esse o caminho sonhado por grandes escritores. Eles já inovaram, destacaram e não há nada mais do que imitação de seus passos nos dias de hoje. Poemas, do tipo tradicionais, hoje em dia, são como as grifes. Enfeitam e escondem ao mesmo tempo o conteúdo.

Escrever, seja lá sobre o que for e como for, não é uma atividades exclusiva de intelectuais. É uma expressão da alma. Prefiro andar nú e descalço, mostrando a verdadeira arte. Aparentemente simples, mas de criação complexa.

Quem muito quer dar ao mundo, é porque tem uma necessidade compulsiva de receber.

Insignificante e ignorante é aquele que não vê a profundidade de uma simples palavra como o Amor. Este, sem dúvidas, está cego pela banalização do termo clichê.



segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Conselhos de Rilke - I


Apresentação

Rainer Maria Rilke (1875-1926), poeta nascido em Praga, é um dos autores de língua alemã mais conhecidos no Brasil. Particularmente não conheço tanto de Rilke quanto gostaria, mas conheço o suficiente de suas obras para dizer que tenho afinidade com seus pensamentos e admiro sua forma de escrever poemas. O que proponho fazer aqui nada mais é do que uma pequena reflexão sobre frases mais interessantes escritas por ele no livro Rilke - Cartas a um jovem poeta, publicado por Franz Kappus em 1929 - três anos após a morte de Rilke.

O livro em questão é uma compilação das dez cartas mais importantes que Rainer trocou com seu interlocutor, Franz Kappus. A partir de hoje, escreverei até o final do mês de novembro trechos dessas cartas, que servem de grande reflexão. Não poderei deixar de comentar os pensamentos de Rilke, assim como cada uma de suas palavras tão bem colocadas. Quem quiser ir a fundo, recomendo o livro que é de fácil leitura, está disponível pela L&PM Pocket e possui 91 páginas.

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"Não há nada que toque menos uma obra de arte do que palavras de crítica: elas não passam de mal-entendidos mais ou menos afortunados. As coisas em geral não são tão fáceis de aprender e dizer como normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é indizível, [...] e mais indizíveis do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa"

Rilke
Paris, 17 de fevereiro de 1903

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Sou formado em Cinema, e como toda pessoa que assim o é, imagino que não se possa ser atribuído o título de empregado ou desempregado. Há quem diga que quem trabalha no ramo, trabalha com arte, ou trabalha com entretenimento de massas. Se o cinema é ou não uma arte, acredito eu, não é o importante da questão. Talvez, o mais importante é que a arte só é verdadeiramente arte quando surge de uma necessidade de expressão sincera. Não sei se alguém que faz filmes como American Pie os faz por uma necessidade de expressão - e também não deveríamos julgar se essa necessidade é merecedora de expressão ou não. Necessidades são necessidades, conscientes ou não, e cada um tem as suas. Diretores fazem filmes. Ponto. Pessoas fazem arte. Ponto. As vezes filmes são arte, as vezes não.

Pego o exemplo do cinema porque me é o mais familiar. O que gostaria de dizer, assim como Rilke, é que a arte é subjetiva e por esse motivo, pessoal. Você pode julgar o fruto com referência no seu gosto, mas não pode condenar a árvore. A arte não tem o dever de causa alguma a não ser a de ser sincera consigo e com aquele que a criou, e sinceridade, meus amigos, é algo a se combinar. Combina com a possibilidade de compreensão que cada indivíduo possui. É como um código que só pode ser entendido por aqueles que possuem seu dicionário. A diferença da arte para os códigos, a grosso modo, é que, códigos são para serem compreendidos e a arte é um emaranhado de códigos resultantes da expressão de alguém, e, nem sempre, podem ser ou significam algo. Arte é um resultado que pode não ser admirado, mas deve ser respeitado acima de tudo. Não foi feita para se concordar ou não. Ter o direito de concordar com algo ou alguém é democracia e não tem nada a ver com críticas à arte de alguém.

Criticas são construtivas no processo evolucional da carreira ou do trabalho de uma pessoa, mas saiba que a verdadeira arte não se interessa por carreira, trabalho ou evolução. Se interessa em simplesmente ser/existir, independente do motivo que a traz à vida.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Andarilho


Na calada da noite sumi para que me vissem jamais.


Não estava frio ou quente,
estava indiferente,
como meu coração.

Não havia vento para sentir, ou grilos a guizalhar.
Havia apenas silêncio.
O mesmo que vinha de meu próprio peito.

A noite não era negra ou iluminada.
Podia-se ver metade de uma face da lua
e algumas estrelas.

Em pavor, tentava a fuga,
mas ninguém tentou impedir.

Nem os grilos, que lá estavam quietos,
ou a lua, com sua face semi encoberta.

Nem ninguém..

Nem mesmo meu coração disparou para me alertar.

Que fuga seria essa, então, afinal?

Pensava que era fuga quando partir era a proibição.
Mas a verdade era que nada me proibiria de partir.

Então entendi. Não era fuga.

Senti meu peito estalar
percebendo quão era seu peso.

Sim, eu quis voltar.

Infelizmente, quando se descobre o que é, não se pode mais.
A fuga era do que me aprisionava,

e o que me aprisionava era

a liberdade!