quarta-feira, 23 de setembro de 2009

UP - Altas Aventuras

O filme UP consegue fazer uma ponte entre o grande sonho e desejo de Carl Fredricksen com o que de fato representa a concretização dos sonhos em nossas vidas.

Está totalmente explícito em cerca de dez minutos iniciais do filme todos os sonhos que nós costumamos ter a respeito de nossos futuros. Entre eles a constituição de uma família, a harmonia e a paz que, de alguma forma, buscamos. Sonhos que nem sempre conseguimos concretizar da forma que gostaríamos.

Na animação, dirigida por Pete Docter (Monstros S.A.), Carl Fredricksen, ainda quando pequeno, sonhava em ser um dia como seu herói, Charles Muntz, um corajoso desbravador que explorava terras distantes a bordo de um gigante dirigível de luxo. O menino acidentalmente conhece Ellie, uma menina que tem a mesma admiração por Muntz, e, assim como Fredricksen, sonhava em um dia viajar até uma cachoeira perdida na América do Sul. Os dois crescem, casam-se e alimentam a esperança de terem filhos, compartilharem momentos maravilhosos e conheceram a tão sonhada cachoeira, chegando até mesmo a pintarem na parede da casa a imagem de uma casinha em cima de um morro com uma grande e bela queda d'água.

O tempo passa e Ellie não consegue engravidar. E o dinheiro que guardavam para realizarem seus sonhos acaba por toda a vida do casal, de alguma forma, escorrendo feito areia por entre as mãos. Um pouco, era gasto com reparos na casa, outro pouco com o carro e, outros tantos com bens materiais e emergências que iam surgindo. Quando se dão conta, ambos já estão idosos e não fizeram o que tanto sonhavam na juventude.

Um fator realmente relevante, já que nós mesmos passamos nossos dias pensando no futuro, o que queremos construir e encontrar nele quando nele chegarmos. Planos que, assim como o dinheiro de Carl e Ellie, guardado com propósitos, acabam por escorrer por entre nossos dedos. Desviados de seu verdadeiro sentido de existir: Viver.

Mas sempre há tempo para acordar, meter a cara pela janela e olhar adiante. Depois da morte de Ellie (que no filme representa explicitamente a vida e a motivação de vivê-la), Carl Fredricksen torna-se um velho rabugento que leva uma vida entediante e sem perspectiva alguma. Algo que ocorre somente até o dia em que passa a sentir-se pressionado pelas mudanças além de sua casa. Os altos prédios que se erguem ao redor de sua minúscula "casinha de bonecas" dos anos 60.

Ninguém fica parado no tempo e nem o tempo pára para que nós nos acostumemos às novas mudanças, nem sempre tão benéficas. Os altos prédios pressionando a vida de Carl nunca fizeram parte de seu sonho de juventude. São gigantescos intrusos que levam o velho vendedor de balões a tomar uma decisão radical. Mudar-se para a tão sonhada cachoeira na América do Sul, a bordo de sua casa voadora, erguida por balões de hélio.

Deve ser mais ou menos aquele ponto de virada que temos várias vezes em nossas vidas aonde, ao percebermos que nosso caminho está se desviando de nossas metas, surtamos enlouquecidos e fazemos loucuras em busca da tão sonhada felicidade. E como Carl, planejamos exatamente como sair de fininho, programamos cada passo a afim de que nada saia errado, pois já não temos mais tanto tempo a perder. É como abrir a porta e gritar "Eu vou e nada vai me impedir!"

E daí algumas pessoas vão reclamar se aparecerem os imprevistos, e por isso até mesmo as vezes partem sozinhas rumo às suas grandes aventuras. Porque quando se está sozinho a chances de imprevistos acontecerem são bem menores. Que engano! Qual terá sido a surpresa do velho Carl ao abrir a porta da varanda de sua casa voadora e se deparar com o pequeno escoteiro mirim Russel. Provavelmente nem um pouco planejado.

O que fazer? Cortar os balões e descer? Despachar o moleque, atrasando mais uma vez o grande sonho? Ou... Levá-lo na viagem e, de lá, quando se chegar na América do Sul, dar um jeitinho de mandar o garoto de volta pra casa?

Muitas vezes colocamos nossos planos à frente de tudo e de todos e nem nos damos conta do que isso pode causar lá na frente. Mas o bom da vida é que assim como em Up nada acontece por acaso, tudo demonstra fazer um sentido no final. basta termos olhos e sensibilidade para enxergarmos o sentido. Ter levado Russel na viagem não só fez brotar mais imprevistos na viagem como também meteu Car Fredricksen em confusões inesperadas.


Ao chegarem na América do Sul, por conta de um nevoeiro, Fredricksen aterrissa sua casa ambulante no lado contrário ao da cachoeira, o que o deixa irritado. Ele está preso através de uma mangueira de jardim à casa, que paira no ar como um dirigível maluco. Não pode soltá-la, se não a perde e não teria como voltar para sua vida (seu mundinho), a qual ainda é tão apegado. E, tão pouco, pode andar rápido o suficiente para atravessar a mata, a fim de chegar à cachoeira de seus sonhos.

Um tapa em nossas próprias caras, pessoas apegadas não somente aos bens materiais como também aos nossos costumes e rotinas. Sempre vislumbrando nossos objetos de desejos ao longe e correndo para alcançá-los, sendo que já carregamos muito mais do que podemos levar em nossa trilha de aventuras. Em nossas vidas.

O filme não poderia ser melhor. Russel encontra e faz amizade com um pássaro exótico que está sendo perseguido por um caçador determinado. O que faz com que Ele, o escoteiro mirim, e Fredricksen acabem por tornarem-se também alvos do tal caçador. Russel bate o pé para convencer o velho a ajudar a salvar o pássaro, chamado por ele de Kevin. Enquanto Fredricksen, rabugento, insiste em chegar até o topo da cachoeira, nem que morra tentando fazer isso.

Qual não é a surpresa do velho vendedor de balões quando depara-se com o caçador, seu herói da infância, Charles Muntz e seu dirigível de luxo. Que nos mostra que nem sempre nossos heróis são exatamente o que pensamos ser. Não somos nós que devemos querer ser como nossos desbravadores e heróis, mas nós mesmos que deveríamos ser os desbravadores e heróis das nossas próprias aventuras, sejam elas quais forem.

E sim, acredito que ainda vamos teimar, achar que estamos nos atrasando para nossos compromissos fúteis. Nossos sonhos feitos da mais perecível ilusão. Vamos bater o pé, dar as costas para o que realmente há de sólido e de concreto. Vamos marchar até nossa montanha com cachoeiras e realizar o tão sonhado sonho.

O que será que Carl Fredricksen sentiu ao alcançar sua meta? ... E sozinho.

Ele, a casa, todos os pertences e a mais bela das vistas. E Só.

UP não é um filme feito com a mais surpreendente das técnicas de animação, mas zela por todo um acabamento fino necessário, não para impressionar nossos olhos, mas para conquistar nossa alma. Não necessita de muito, mas sim de muito pouco para nos conquistar como espectadores.

Estamos sempre almejando a concretização de grandes sonhos que, por estarem de certa forma tão distantes, acabamos trabalhando duro e por muitos anos para conquistar. "Muitos anos" suficientes trabalhando para até mesmo se esquecer do porquê de nosso suor. E, vezes até, para alcançarmos nossas metas e nos sentirmos vazios por dentro.

UP faz uma reflexão simples, emotiva e bem humorada sobre aquilo que buscamos pra nós. Sobre os imprevistos que nos deparamos no caminho e o quanto realmente vale a pena buscar algo tão longe quando se tem de abrir mão da ética comum.

Carl viveu uma vida linda ao lado de Ellie enquanto perseguia um sonho romântico. Colocou todas sua energia naquela aventura. E agora estava lá, abrindo o livro "quase secreto" de Ellie, onde em uma parte se podia ler "coisas que que tenho que fazer". Por um momento o velho rabugento pensa que se virasse a página iria encontrar anotações de todas as coisas que não conseguira fazer sua esposa realizar enquanto viva, mas, depara-se com páginas de fotos contendo todos os melhores momentos do casal, e, com uma rápida mensagem rabiscada no fim. Algo do tipo "Essa aventura você já realizou, agora parta para as próximas".

E é assim que Carl Fredricksen joga todos os móveis e pertences de uma vida toda, para fora da casa, para que essa pudesse alçar voo novamente, depois de os balões de hélio não estarem tão cheios. Pois só com a leveza do necessário é se poderia prosseguir com a aventura.


Carl encontra e salva Russel, que caíra nas mãos de Muntz, ao tentar salvar Kevin, o pássaro exótico. E, antes de voltarem para casa, dão fim ao caçador, jogando-o na casa com balões que, naquele momento, despenca entre as nuvens, desaparecendo com toda e qualquer lembrança do passado.

Enquanto grandes nomes do cinema se matam para criarem grandes obras primas que exprimam um infinito de significados, UP nos deixa sua mensagem profunda e simplificada. A de que são os imprevistos que compõe uma aventura de verdade, mesmo que se planeje uma vida toda e os resultados sejam diferentes do programado, ainda assim, se terá vivido uma grande aventura.

Mais uma vez, o mérito é da Pixar, que prova que é possível fazer cinema comercial de grande qualidade e com excelente conteúdo. E sem se deixar levar pelas ilusões à beira do caminho da medíocre tentativa de se obter obras-primas.


Leia mais em: Jovem Nerd



Um comentário:

  1. Achei o filme interessantíssimo. Podemos planejar nossas mais fantásticas viagens e ainda nos darmos ao luxo de irmos sozinhos, repelindo qualquer oportunidade de imprevistos. esquecemos que nunca estamos sós, e aonde quer que andemos vamos nos deparar com o conhecido efeito borboleta, criado pelos nossos mais de oito bilhões de irmãos. Uma chuva de bolinhas de ping pong que se batem e rebatem, causando novos efeitos. Só prova que egoísmo é o sentimento da ilusão. Não podemos desfrutar da caminhada a sós, nem mesmo planejar cartesianamente nossos passos. As coisas n dependem só de nós, mas de todos, num geral. Ou todos saímos do poço, ou ninguém sairá.

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